É difícil explicar porque temos a
vida que muitos pediram a Deus e insistimos em reclamar dela. Sempre falta
alguma coisa: um grande amor, um emprego novo, um salário melhor, uma casa mais
espaçosa, uma viagem para a Europa, compras sem limites. Por um lado, o inconformismo
nos leva a sonhar; e são os sonhos que nos movem e nos fazem lutar. Mas, por
outro lado, é muito triste nos prendermos a coisas tão supérfluas enquanto uma
grande parte dos brasileiros está lutando por água, uma coisa tão básica que
passa totalmente despercebida aos nossos olhos e sentimentos.
Hoje, assisti a uma matéria no Globo Rural sobre a seca no sertão nordestino. Uma das cidades citadas na
reportagem, na região de Irecê (BA), mostra o desespero da população para pegar
o máximo de água possível quando o caminhão pipa chega à região. Água esta
proveniente de um rio e que é distribuída suja e sem tratamento. A repórter
acompanha o caso de uma menina de nove anos, que cuida de três irmãos, um deles
um bebê de 10 meses. Ela sai de casa com um balde e as três crianças para
buscar água. Volta com o balde na cabeça e o bebê no colo. E aquela água tem
que ser suficiente para beber e cozinhar até que o caminhão volte a trazer mais
alguns dias depois. Banho é luxo numa situação como aquela.
E esse é o nosso Brasil: um país
cheio de contrastes. Enquanto muitos passam fome e sede no nordeste, alguns se
divertem no sudeste gastando rios de dinheiro em besteiras, posando de poderosos
em jatinhos e iates e esbanjando luxo e ostentação. Um Brasil de políticos corruptos
que se esquecem do povo que carece de necessidades básicas para sobreviver
enquanto enchem seus próprios bolsos com dinheiro dos impostos que nós
trabalhamos para pagar. Segundo dados publicados na Veja da semana passada,
somente na quarta-feira, 30 de maio, foi que nós brasileiros passamos a
trabalhar para nós mesmos. Até então, desde janeiro, estamos trabalhando só para
pagar imposto.
Um Brasil de gente como eu, como você que lê este texto, que temos uma vida sequer sonhada por aquele povo no nordeste, e vivemos reclamando em vez de agradecer. A matéria do Globo Rural fala do sonho das crianças que sofrem com a seca. E o sonho delas não tem nada a ver com o sonho de uma criança comum, que quer um brinquedo novo, um videogame, celular, computador ou um passeio incrível. O sonho dessas crianças é ter água encanada dentro de casa para não precisar mais carregar balde na cabeça.
E enquanto isso acontece no interior do Brasil, aqui estou na minha casa, sentada na minha cama, de pijama, às dez horas de um domingo típico de outono, com o computador no colo, escrevendo este texto, enquanto penso no que vou fazer hoje. Almoçar fora? Ir ao cinema? Ficar em casa assistindo filme? Fazer compras? Programar o passeio do feriado? São tantas coisas importantes para pensar e fazer durante o dia que até me esqueço de tomar água fresquinha e cristalina que vem do poço artesiano da chácara da minha família. Água esta que se estivesse disponível nesse momento àquele povo sofrido do nordeste seria mais motivo de alegria e festa do que qualquer programa que eu invente de fazer aqui em São Paulo.
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