17/04/2011

Borboletas no estômago

Como era gostoso na adolescência sentir borboletas no estômago ao ver a pessoa amada. A gente se apaixonava perdidamente e frequentava a escola não pela matemática ou pelas regras de português que tínhamos que aprender, mas sim, porque lá estava o nosso príncipe, a pessoa por quem valia a pena viver.

Bastava observá-lo nos intervalos, caso fosse de outra classe, ou ficar desviando o olhar durante as aulas só para vê-lo na outra fileira ou no fundo da sala. Os finais de semana e os feriados demoravam uma eternidade para passar. Como era bom estudar!
Muitas vezes o amor era platônico. Estávamos na quarta série e gostávamos do bonitão da oitava. Ou então caíamos na besteira de nos apaixonar pelo mesmo garoto que nossa amiga ou então pelo “garanhão”, por quem todas as meninas da escola eram caidinhas.

Bons tempos eram aqueles. O frio na barriga, o vazio no estômago, a sensação maluca que dava só de olhar para ele. Naquela época antes do “ficar” existia o “conhecer”. Quando um garoto estava a fim de você, ele pedia para lhe conhecer primeiro. Vocês se apresentavam, trocavam três beijinhos no rosto e conversavam um pouco. Tudo na frente dos amigos. A partir daquele dia, seus dias passavam a ser bem melhores, porque você podia cumprimentar seu amor na escola. Se um dos dois gostasse, de preferência ele, aí sim vinha o pedido para ficar. Então, os amigos marcavam um encontro entre vocês, geralmente no escadão, atrás da escola ou numa casa abandonada. E você passava a andar nas nuvens.

Se ele não gostasse de você e lhe desse um fora, a dor era profunda. Você passava os dias chorando e se arrastando, pensava em trocar de escola e suas amigas tinham que lhe consolar. Se você o visse com outra então, era a morte. Depressão na certa.
E assim a gente vivia. E uma coisa era certa: se o garoto não lhe fizesse sentir borboletas no estômago, você não estava apaixonada.

Hoje em dia, a história é outra, tanto no mundo dos adultos quanto entre os adolescentes. Ninguém tem tempo para esperar as borboletas aparecerem no estômago. Ninguém tem tempo para paquerar. Basta um olhar, um “fui com a sua cara” e as pessoas já estão se beijando, muitas vezes sem sequer saber o nome umas das outras. Mas isso não importa, porque provavelmente vocês nunca mais vão se ver mesmo.

Não existe mais o “pedir em namoro”, isso é brega. As pessoas vão arrastando o “ficar”, levam para conhecer a família e pronto. Estão namorando. Se daqui a duas semanas não der mais certo, tudo bem, a gente termina. Os casamentos também estão ficando assim. Muitos casam porque já passou da hora, porque a família está em cima, porque querem dar uma festa maravilhosa, porque querem sair da casa dos pais, porque o cara é rico, porque querem um filho... Amor? O que é isso? Não, a gente não tem tempo para o amor. Amor dói, amor deixa a gente vulnerável, amar é para os fracos.

E assim a gente se arrasta, vivendo superficialmente e deixando de sentir borboletas no estômago. Quem ainda tem o privilégio de sentir isso, aproveite. Não há nada que nos faça sentir mais vivos, humanos e cheios de amor para dar do que aquele friozinho especial na barriga.

14/04/2011

Ser tudo, menos humano

É incrível como muitos querem ser tudo, menos humanos. Uns acham que são Deus e acreditam que o mundo inteiro gira em torno de suas vontades. Outros optam por serem heróis, se julgam invencíveis e buscam poder a todo custo. Há ainda os que querem ser celebridades instantâneas e perdem a humildade, o bom senso e, em alguns casos, até a dignidade e o caráter só para aparecerem.

Conheço algumas pessoas que tentam ser a estátua do Cristo Redentor no Rio Janeiro e querem abraçar tudo. Embora Hitler já tenha partido dessa para pior há muito tempo, seus discípulos ainda habitam o planeta. São os que humilham, que impõem respeito à base de pancada, que pisam nas pessoas e que vendem até a alma para conseguirem o que querem.

Para quem pensa que overdose de políticos só existe em Brasília, é melhor olhar mais para os lados. Tem um monte deles convivendo conosco. São os que não se indispõem com ninguém, que prometem tudo para todos e a mesma coisa para vários e que, quando são pegos, tratam logo de arrumar uma desculpa para se safarem.

Nem os desenhos animados e os contos de fada escapam hoje em dia. O Pinóquio tem várias versões no mundo moderno. Se o nariz ainda crescesse a cada mentira, tem gente que não conseguiria dormir, porque a “napa” ficaria batendo no teto do quarto. As bruxas também ganharam seus modelos no século XXI. Agora elas disfarçam melhor. Não têm mais verruga no nariz, nem vassoura, mas estão sempre prontas para cozinhar alguém em seus caldeirões. Também tem muito lobo mau fantasiado de vovozinha, sapos que se disfarçam de príncipes e Avatares traidores.

O reino animal não poderia ficar de fora dessa. Tem gato em cima do muro; coruja à espreita; cobra pronta para dar o bote; raposa esperta e pavão se mostrando de qualquer jeito.

Está cada vez mais difícil encontrar um ser que queira ser humano. Porém, é muito fácil identificar quando se encontra um. Um humano que mereça ser chamado assim é educado, honesto e justo, acima de tudo. Um ser humano de verdade não se importa com a fama. Seu sucesso vem do seu trabalho e de suas atitudes e não da necessidade de se mostrar a todo custo e a qualquer momento.

Um ser humano trata outro ser humano com respeito, independente de sua cor, raça ou classe social. Não faz como muitos que chegam a tropeçar nas pessoas e continuam se recusando a cumprimentá-las. Um ser humano de verdade não consegue dormir em paz caso tenha cometido alguma injustiça. Também não vive de aparências e repudia a mentira e a falsidade. Seres humanos erram, sabem reconhecer seus erros e não se importam de pedir desculpas.

Seres humanos não precisam representar, simplesmente porque não têm que provar nada a ninguém. O resto do que vemos por aí são produtos falsos, exemplares estragados, personagens, imitações, desenhos animados, animais, portas... São tudo, menos humanos.

12/04/2011

Cobras venenosas

No final de semana, minha família e eu estávamos reunidos em nossa chácara quando fomos surpreendidos pela presença de uma cascavel que não havia sido convidada para o evento. A cobra estava escondida na entrada da chácara esperando para dar o bote. Ela só foi descoberta porque meu pai quase pisou em seu corpo esbelto. Quando todos se deram conta da intrusa começou uma discussão sobre o que fazer com ela. Algumas outras pessoas se aproximaram para ajudar na decisão.

Enquanto meu pai tentava a todo custo, com uma vara, impedir a cascavel de entrar na chácara, eu tirava os cachorros de perto; minha prima fotografava o animal; meu tio filmava; meu primo pedia para que colocássemos a cobra em uma caixa para ele levar para o Butantã; minha mãe ligava para o meu avô ir até o local para ajudar na discussão; um transeunte falava para jogarmos a cobra no mato e deixá-la partir; outro dizia que não podíamos fazer isso porque ela poderia picar alguma criança; e o vizinho, ah! o vizinho, esse só falava em matar a cascavel, e se gabava dizendo que já havia acabado com a raça de várias cobras.

Eis que chegam, para analisarem o caso, o meu avô e uma bióloga que estava a passeio em sua casa. Minha avó, minha prima e minha tia também estavam com eles. Minha mãe a essa altura já tinha buscado a caixa onde a cobra seria colocada. E eu já havia tentado ligar para a polícia para pedir orientação, e desistido. Aí a bióloga sugeriu que colocássemos a cobra em uma garrafa. Enquanto isso, meu pai continuava impedindo a intrusa de entrar na chácara. Só parava de arrastá-la quando ela ameaçava dar o bote.

Aquela muvuca em volta da cascavel permaneceu até que, num breve momento de distração do meu pai, o vizinho (aquele com instinto assassino de animais) tomou-lhe a vara e deu umas varadas na cabeça da cobra, matando a coitada. Neste momento, a bióloga começou a chorar, um cara vibrou a morte da cascavel, meu primo entrou na chácara enfurecido, com vontade de bater no homem, e o restante ficou olhando para a cena com cara de “ué”. Pronto, o caso da cobra estava solucionado. Simples assim.
Eu fiquei indignada com o que vi. Por que ninguém impediu aquele homem de fazer aquilo? Simplesmente porque todos nós fomos pegos de surpresa, embora todos soubessem que ele estava querendo matar a cascavel. Mas tomar a decisão assim, sem perguntar a opinião dos outros? Outra coisa, a cobra estava na calçada da chácara da minha família, tentando participar do nosso churrasco. Então, ela era nossa. Ninguém podia matá-la sem nossa permissão.

Esta história serve perfeitamente para ilustrar situações que nos deparamos constantemente. Quantas vezes tomamos cuidado para não pisarmos em local errado, com medo das cascáveis e, no final, elas estão do nosso lado e atacam quando menos esperamos?

Na história do final de semana, o verdadeiro veneno não vinha da cobra e, sim, do vizinho que chegou se fazendo de amigo, querendo ajudar. Quando menos se esperava, ele deu o bote, surpreendendo a todos.

Cuidado onde você pisa. Cuidado com o veneno camuflado em certas pessoas. Nem sempre a cobra venenosa é aquela que você acha que vai lhe picar. O bote pode vir de onde você menos espera, ou até espera, mas não acredita que possa acontecer.

06/04/2011

Muito além do pão de cada dia

Dizem que salário não é tudo. E eu concordo com isso. Trabalhar é muito mais do que apenas dar conhecimento e experiência e receber em troca dinheiro e um pacote de benefícios (alguns maquiados). Quem dera se o trabalho servisse apenas para se comprar o pão de cada dia! A realidade é muito mais complexa que isso.

Trabalhar é ocupar a cabeça, exercitar o cérebro, relacionar-se com as pessoas, aprender, ensinar, tolerar, ter paciência. O trabalho traz dignidade, ajuda na formação do caráter, fortalece a mente, encoraja, amadurece e é capaz de formar um ser humano. Trabalho é local de amizade, de desafios, de momentos alegres e tensos. Também é lugar de estresse, humilhação, esgotamento, falta de respeito, paciência e tolerância.

Além de tudo isso, ainda passamos mais tempo no trabalho do que com a nossa família. Dispensamos mais horas trabalhando com pessoas desconhecidas ou que não gostamos, do que curtindo as pessoas que mais amamos na vida. Muitas vezes, trabalhamos mais do que as horas estabelecidas em contrato. Damos o sangue, enfrentamos os desafios, resolvemos problemas, assumimos responsabilidades e superamos as expectativas. Alguns são valorizados e reconhecidos por tanto esforço e dedicação. Outros passam despercebidos aos olhos das chefias ou recebem o mesmo tratamento que aqueles que pouco contribuem com a empresa.

Diante de toda essa complexidade trabalhista, fica cada vez mais difícil encontrar um equilíbrio na relação empresa X empregado. De um lado, as empresas exigem cada vez mais de seus profissionais e nem sempre estão dispostas a pagar por isso. Ou então sequer oferecem uma estrutura básica de recursos humanos e tecnológicos, além de condições de trabalho para que o serviço seja feito com a excelência exigida.

Por outro lado, os profissionais estão cada vez menos capacitados para atender às necessidades das empresas. Como se não bastasse a falta de conhecimento técnico e experiência, está cheio de gente no mercado que adora fazer corpo mole, reclamar da empresa e dos benefícios, que é irresponsável com suas atribuições, não trabalha um minuto além do combinado, não derrama uma gota de suor para agilizar o trabalho atrasado ou para melhorar seu desempenho. Além disso, comporta-se mal, tem problemas de relacionamento com os colegas de trabalho e ainda exige tudo e mais um pouco da empresa.

Encontrar um bom profissional não é fácil. É tão difícil quanto encontrar um bom emprego. Ambos são concorridos. Todo mundo está atrás deles.

Nunca foi tão complicado levar o pão de cada dia para casa.

05/04/2011

A dor do crescimento

Quando eu tinha uns nove anos de idade, minha mãe me levou ao médico porque eu sentia muitas dores nos joelhos. Depois de me examinar, o doutor virou para ela e disse: “Não se preocupe, o que ela tem é normal. É a dor do crescimento”. Dizem que quando nosso corpo está se desenvolvendo é natural sentirmos dores nos ossos. Na época, não entendi muito bem o sentido da coisa. Mas, hoje, sei que não é só o crescimento físico que dói. Crescer emocional, profissional e pessoalmente também é muito doloroso.

Descobrir o mundo dos adultos dói, enfrentar o mercado de trabalho também dói. O primeiro amor dói. Decepções doem muito. Desilusões mais ainda. Dói quando somos passados para trás, quando somos traídos. A dor da perda é imensurável, assim como a dor de amor. O desemprego, o desespero, o desapego, o desfiladeiro... Tudo dói.

Quantas vezes enfrentamos enormes barreiras, tropeçamos nos outros e em nós mesmos e caímos no abismo? Tudo para que possamos crescer, evoluir e nos tornar pessoas melhores, profissionais de sucesso, amigos fiéis, companheiros leais. Não há crescimento sem dor, sem renúncias, sem sacrifícios. Quer ganhar mais dinheiro? Vai ter que trabalhar mais. Quer ser alguém na vida? Precisa estudar enquanto todos estão pelos barzinhos da cidade. Quer adquirir bens? Precisa poupar enquanto os outros consomem. Quer amar e ser amado? Vai precisar de menos egoísmo e mais paciência e renúncia. Quer ser uma pessoa melhor? Supere as diferenças, esqueça as mágoas, perdoe quem lhe fez sofrer, ajude alguém a se levantar. Só assim você crescerá. E pode ter certeza de que isso vai doer.

Lembre-se: A dor é inevitável; o sofrimento é opcional – Carlos Drummond de Andrade

03/04/2011

Mais de nós mesmos

Assisti a um filme que, apesar de ser uma comédia, acabou funcionando como uma espécie de autoajuda. A história era baseada na vida de Alice, uma mulher que estava enlouquecendo por não dar conta de tudo: trabalho, filhos, casa, marido. No meio de uma sequência de coisas erradas, Alice surta e três dela surgem refletidas no espelho. As três Alices imaginárias passam a viver no lugar da original.

Uma versão de Alice só pensa no trabalho e dedica todo o seu tempo para ele. A outra só tem tempo para a casa e as crianças. Já a terceira se preocupa apenas em ficar bonita para seduzir o marido. No início tudo parecia perfeito. Cada uma desempenhava sua função de uma forma que Alice jamais tinha conseguido se dedicar. Um sonho. Porém, logo as coisas começaram a sair do eixo de novo. Como cada uma só sabia desempenhar um papel, acabaram ficando obcecadas pelo o que faziam e começaram a trazer problemas para a verdadeira Alice.

Não vou contar o final do filme. Ele se chama Mais de Mim Mesma. Ótimo título e excelente tema para tratarmos aqui.

Quantas vezes nos desdobramos em várias pessoas para conseguirmos fazer tudo o que achamos que precisamos fazer? E porque julgamos que temos que ser bons em tudo o que fazemos? Por que insistimos em querer agradar a todos a todo instante? Qual o problema em sermos normais? Qual o problema em errarmos? Qual o problema em não atendermos todas as expectativas dos outros em relação a nós? E porque nos culpamos tanto?

É impossível termos mais de nós mesmos. Não dá para sermos, ao mesmo tempo, excelentes profissionais, mães e pais maravilhosos, esposas e maridos dedicados, filhos exemplares. Somos seres humanos e, como seres humanos, somos limitados e cheios de defeitos. Por isso, há momentos na vida em que temos que ceder, que renunciar certas coisas em nome de um bem maior.

Aceite os seus limites. Estabeleça prioridades em sua vida. Se sua prioridade é a sua família, não deixe o trabalho lhe ocupar mais do que o tempo necessário. Se sua prioridade é o trabalho, não seja irresponsável com ele. Se a sua prioridade é curtir a vida, aventurar-se, não se prenda em um lugar só. Se a sua prioridade é o amor, não descarte as pessoas que você mais ama.

Lembre-se, ninguém consegue dar a mesma importância e se dedicar a tudo o que quer ao mesmo tempo. Busque o equilíbrio das coisas. Seja menos exigente e duro consigo mesmo. Ninguém é perfeito. Mas todos nós somos únicos.