02/11/2011

"Doença Ruim". É hora de encarar!


O Lula e o Gianecchini estão com câncer. O irmão de um amigo meu está com câncer. Uma colega de trabalho morreu de câncer. Uma professora do Ensino Médio e o meu vizinho tiveram câncer. Mais perto de mim, uma prima teve câncer e volta e meia é assombrada pelos fantasmas dessa doença, que insiste em mostrar que não é fácil de ser derrubada. São tantos casos, cada vez mais comuns, cada vez mais perto de nós, que tenho a sensação de que um dia, inevitavelmente, todos terão que passar por essa provação. Exagero da minha parte? Espero que sim.

Meses atrás tive o privilégio de entrevistar o Dr. Ademar Lopes, cirurgião-oncologista em São Paulo, para uma matéria sobre essa doença para uma publicação da empresa onde trabalho. Sai do consultório deste especialista, que tem mais de oito mil cirurgias no currículo, com uma frase dele na cabeça. “O câncer é uma doença comum, perfeitamente curável e sem mutilações”. Simples assim. Quem dera doutor! Quem dera se fosse simples assim.

Segundo estimativa do INCA (Instituto Nacional de Câncer) são esperados 489.270 novos casos de câncer no Brasil em 2011. Segundo o Dr. Ademar, 90% dos casos de câncer são perfeitamente curáveis, mas no Brasil cura-se hoje em dia menos de 60%. Dá para imaginar por que? Eu tenho pelo menos três suposições, para não dizer respostas:

1 – Temos medo de doença. Só de pensar em ir ao médico e descobrir alguma coisa, já entramos em pânico. Desta forma, evitamos consultas e exames que podem nos ajudar a detectar precocemente qualquer doença, principalmente um câncer. Você sabia que um câncer de intestino leva de 10 a 15 anos para se desenvolver, e que uma colonoscopia pode eliminar precocemente o pólipo (espécie de verruga) que causa este tipo de câncer?

2 – Médicos despreparados e desumanos. Muitos médicos nem olham para a cara do paciente durante uma consulta. Muitos medicam sem diagnóstico preciso, não pedem exames, não tocam nos pacientes. Sem falar nos planos de saúde que evitam ao máximo a realização de exames. Assim, fica difícil diagnosticar uma doença tão grave antes que ela evolua. Afinal, não dá para tratar um câncer no estômago com omeprazol na veia todas as vezes que a pessoa se queixar de dor.

3 – Caos na saúde pública. Com um sistema público de saúde como o brasileiro só com muita fé em Deus para não morrer na fila de espera. Pelo menos 58 mil pacientes de câncer ficaram sem fazer serviços de radioterapia e outros 80 mil deixaram de fazer cirurgias de câncer no país no ano passado, segundo dados do TCU (Tribunal de Contas da União), publicados pela Folha de São Paulo.

Antigamente, não se falava em câncer. A pessoa estava com ou morria de “doença ruim”. Hoje, tudo está mais evoluído. E graças à quantidade de informações que temos disponíveis a doença deveria deixar de ser um tabu. Deveria, mas o câncer ainda carrega consigo o estigma de que é sinônimo de dor, sofrimento e morte. Tanto é que choca saber que o Lula está com câncer. Choca ver o Reynaldo Gianecchini careca na televisão. Choca ainda mais descobrir uma caso perto da gente. Mas o que me choca realmente é saber que existem milhares de brasileiros na fila do SUS aguardando consultas, exames, remédios e tratamento como se estivessem no corredor da morte à espera de um milagre.

Casos como o de Lula, Gianecchini, Dilma, Ana Maria Braga, Hebe Camargo, José Alencar e todos os outros casos de famosos que vão parar na mídia servem para abrir os nossos olhos para essa doença. Esses casos vêm para nos mostrar que o câncer não escolhe cor, sexo, religião, muito menos classe social. A diferença é que existem aqueles que podem pagar por um tratamento decente e existem aqueles que dependem do governo para continuarem vivendo.

Termino este texto com duas frases que me marcaram muito. Uma é do Dr. Ademar Lopes. “O câncer é uma doença de evolução. O câncer não dói. Eu gostaria que o câncer doesse igual dor de dente. Mas ele não dói”. A segunda frase vem de um dos pacientes mais famosos do Dr. Ademar, o ex-vice-presidente do Brasil, José Alencar. “De vez em quando me acontece um certo complexo de culpa. Porque eu sou vice-presidente da República e as pessoas não têm, de um modo geral, esse tratamento que eu tenho tido. Será que nós não podemos fazer isso para todo mundo, meu Deus?” (entrevista ao programa Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, em 2010).